O ex-ministro da Previdência (governo Figueiredo) e ex-governador do Rio Grande do Sul (1983-1987), Jair Soares, entrevistado em Porto Alegre, disse algo importante, sobre a suposta “economia” de R$ 1 trilhão, que Guedes e Bolsonaro dizem que querem fazer na Previdência Social:
“Estão dizendo que vão economizar um trilhão em dez anos, mas o governo tirou, de 2002 a 2015, um trilhão e quatrocentos bilhões da Previdência.”
Jair Soares, hoje filiado ao PP, referia-se à Desvinculação das Receitas da União (DRU), expediente através do qual, atualmente, são desviados 30% dos recursos arrecadados pelas contribuições sociais (Cofins, CSLL, PIS/PASEP), que a Constituição de 1988 destinou à Previdência e à Seguridade Social.
O desvio do dinheiro das contribuições sociais para a Previdência, desde 1994, quando foi estabelecido (nessa época com o nome de “fundo social de emergência”), é o principal componente da DRU (cerca de 90% dos recursos desvinculados são das contribuições sociais, como esclarece o Senado).
DRU
A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado.
Criada em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), essa desvinculação foi instituída para estabilizar a economia logo após o Plano Real. No ano 2000, o nome foi trocado para Desvinculação de Receitas da União.
Na prática, permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. A DRU também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública.
Prorrogada diversas vezes, a DRU está em vigor até 31 de dezembro de 2015. Em julho, o governo federal enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 87/2015, estendendo novamente o instrumento até 2023.
A PEC aumenta de 20% para 30% a alíquota de desvinculação sobre a receita de contribuições sociais e econômicas, fundos constitucionais e compensações financeiras pela utilização de recursos hídricos para geração de energia elétrica e de outros recursos minerais. Por outro lado, impostos federais, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Renda (IR), não poderão mais ser desvinculados.
Quanto ao motivo para esse desvio – isto é, para onde é desviado esse dinheiro da Previdência -, a série abaixo mostra a participação da DRU na reserva para juros (“superávit primário”), transferidos do setor público para o setor financeiro:
PARTICIPAÇÃO DA DRU NO SUPERÁVIT PRIMÁRIO
(valor em R$ bilhões, deflacionados pelo IGP-DI)
2000: 72,66%;
2001: 76,56%;
2002: 58,92%;
2003: 57,49%;
2004: 53,76%;
2005: 57,47%;
2006: 65,27%;
2007: 65,15%.
(cf. Renata Teixeira de Castro Tobaldini e Vera Tieko Suguihiro, “A Desvinculação de Recursos da União – DRU e o (des)financiamento da seguridade social brasileira”, IPEA, Code 2011)
A rigor, desde 1994, o governo federal transfere juros ao setor financeiro às custas da Previdência – portanto, dos aposentados, das pensionistas e dos trabalhadores da ativa.
O que Guedes quer é fazer essa praga grassar até ao ponto de acabar com a previdência pública.
A entrevista de Jair Soares foi concedida a Juremir Machado da Silva e Taline Oppitz, no programa “Esfera Pública”, da Rádio Guaíba. Dela também participou o senador Paulo Paim (PT-RS).
C.L.
O jornalista Juremir Machado da Silva, um dos entrevistadores, publicou, no “Correio do Povo” de quinta-feira (02/05), uma coluna sobre esse encontro na Rádio Guaíba:
O outro Jair
JUREMIR MACHADO DA SILVA
Jair Soares foi governador do Rio Grande do Sul e ministro da Previdência. Ele é do Progressista. O PP é considerado de direita. Paulo Paim é senador. Ele é do Partido dos Trabalhadores. O PT é visto como de esquerda. Jair e Paim estiveram, segunda-feira, no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, conversando comigo e Taline Oppitz. Ambos disseram a mesma coisa: não há, sem desvio de recursos pelos governos, déficit da Previdência Social. O desvio acontece por meio da DRU (Desvinculação das Receitas da União), que autoriza agora saquear 30% do bolo previdenciário.
O déficit da Previdência é uma fraude. Jair Soares repetiu articulando cada palavra: “Não há dinheiro público na Previdência”. Segundo ele, o Estado, em qualquer nível, só contribui como empregador. Paim, o petista, e Jair Soares, o progressista, defenderam em uníssono o sistema solidário de repartição e criticaram a proposta de capitalização. Sem garantia pública, explicou Jair, o trabalhador, transformado em poupador compulsório, ficará à mercê da saúde do sistema financeiro. Tanto o “esquerdista” quanto o “direitista” destacaram que o regime proposto pelo ministro Paulo Guedes fracassou no Chile. Os dois estão prontos para debater com defensores da reforma proposta pelo presidente Jair Bolsonaro.
Com excelente memória e números na ponta da língua, Jair Soares já não obtém respostas do ministro Onyx Lorenzoni para suas manifestações sobre a reforma da Previdência. Os conhecimentos do ex-governador parecem incomodar. Jair aceita o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria. Pede, contudo, ponderação: “Na Alemanha, está em 64 anos. Só chegará a 67 em 2030”. Soares salientou que de FHC para cá esta é a sexta reforma da Previdência. Afirmou que só neste ano o governo vai, por meio da DRU, tirar cem bilhões da Previdência para colocar onde quiser: “Estão dizendo que vão economizar um trilhão em dez anos, mas o governo tirou de 2002 a 2015 um trilhão e quatrocentos bilhões da Previdência”.
Soares lembrou que de 22 fundos previdenciários privados chilenos, 20 quebraram. Detonou a intenção do governo de desconstitucionalizar a Previdência para poder fazer o que bem entender. Criticou as desonerações que também sangram os recursos previdenciários. O Brasil não vai quebrar se a reforma não passar, salientou. Ironizou que os preocupados com a quebra não falam da dívida trilionária do país com seus altos juros. De quebra, disse que assina embaixo tudo o que Paulo Paim fala sobre a Previdência. Não bastasse, aos 86 anos, Jair Soares está empenhado, junto com o jornalista Flávio Tavares, em questionar a instalação de uma mineradora chinesa em Eldorado, o que poderá resultar em dano ao meio ambiente. Depois de ouvir o insuspeito Jair Soares e o incansável Paulo Paim só há uma coisa a concluir: a reforma da Previdência é um engodo.
Pena que os debates na grande mídia nacional acontecem sem contraponto. Seria interessante ver uma entrevista de Miriam Leitão, Merval Pereira, Carlos Alberto Sardenberg e João Borges com Jair Soares.