Mães e pais de Dourados vivem há pelo menos quatro anos uma rotina dolorosa à espera de algo essencial: o direito de suas crianças neurodivergentes receberem diagnóstico e tratamento adequado pelo SUS.
Sem médicos neuropediatras disponíveis na rede pública, famílias enfrentam um ciclo de desinformação, negligência institucional e sobrecarga emocional, tudo isso em meio a crises financeiras e à urgência de uma infância que não espera.
“Minha filha tem oito anos e ainda não consegue ler nem escrever. Foi reprovada e sofre com os colegas e até com os professores. Me pediram laudo para ter professora de apoio. Mas como, se eu não consigo nem a consulta?”, desabafa Juliana Ortega Lopes Anunciação, técnica de enfermagem e mãe da pequena Manuela, que há quase dois anos aguarda por atendimento com um neuropediatra.
Sem o laudo, que só pode ser emitido por este profissional, crianças como Manuela seguem à margem: sem direito a professor auxiliar, sem acesso a benefícios sociais, sem medicamentos especializados. “É como se ela não existisse para o sistema”, resume Juliana.
O laudo não é um detalhe burocrático, é a porta de entrada para todo o suporte que essas crianças necessitam. Com ele, é possível garantir o acompanhamento terapêutico multidisciplinar, acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), inclusão escolar adequada e até a entrada em programas de assistência estadual ou federal.
Sem o documento, a rede pública nega o apoio, os planos de saúde se recusam a cobrir tratamentos e a escola não é obrigada a oferecer adaptações pedagógicas.
O relato de Juliana se repete em dezenas de lares da cidade. Grasiela Aparecida Barbosa, mãe de Jéssica, enfrenta há anos o vai e vem de encaminhamentos.
Já passaram pelo PAI (Policlínica de Atendimento Infantil), pelo CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), mas nenhum setor se responsabiliza de fato pelo acompanhamento necessário.
“A própria médica do PAI disse que não tinha mais o que fazer, que o caso da minha filha era com o neuro. Mas não tem neuro no PAI, e o CAPS diz que também não pode atender. A criança vai pra onde?”, questiona.
Ela relata ainda que, por conta própria, buscou atendimento particular. “Fizemos uma consulta, alguns exames, mas não conseguimos continuar. É muito caro. Psicóloga, medicação, transporte… É impossível pra gente”, diz.
Enquanto isso, mães como Grasiela e Juliana seguem tentando ser tudo ao mesmo tempo: cuidadoras, terapeutas, motoristas, assistentes sociais e advogadas dos próprios filhos. “Não por escolha”, desabafam.
Laudo é direito, não privilégio
A legislação brasileira é clara: o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) estabelece o direito ao diagnóstico precoce, tratamento adequado e inclusão escolar com os recursos que cada criança necessita. No entanto, em Dourados, esse direito está sendo negado todos os dias.
De acordo com o Censo Escolar 2023, o Brasil tem mais de 636 mil estudantes com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo a maioria em turmas regulares. Em Mato Grosso do Sul, o número de alunos neurodivergentes matriculados aumentou significativamente, mas a estrutura de atendimento especializado continua frágil, especialmente na atenção básica, onde o acesso ao laudo deveria ser garantido.
Recursos garantidos, expectativa de avanço
Diante da gravidade da situação, os parlamentares Lia Nogueira (PSDB) e Rodolfo Nogueira (PL) destinaram juntos R$320 mil em emendas parlamentares para custear a contratação de neuropediatra com Registro de Qualificação de Especialidade (RQE), via SUS. O valor inclui R$120 mil enviados pela deputada estadual e R$200 mil pelo deputado federal.
Segundo levantamento feito com base em valores pagos em diferentes municípios de Mato Grosso do Sul, o custo médio de uma consulta com neuropediatra credenciado pelo SUS no interior do estado gira entre R$230 e R$280.
Municípios como Batayporã já chegaram a pagar R$450 por atendimento, enquanto locais como Itaporã e Maracaju praticam valores entre R$120 e R$250, dependendo do tipo de contrato e carga horária do profissional.
Com base nessa média, o valor total de R$320 mil poderia garantir aproximadamente 1.140 a 1.390 consultas especializadas, o que representaria um avanço significativo diante da demanda reprimida atual.
A definição do modelo de contratação, por credenciamento direto, prestação de serviço ou concurso público, agora depende da agilidade do Executivo municipal, que recebe as emendas ainda este ano.
“Essas crianças não podem esperar mais. O Estado precisa assumir sua responsabilidade. Um laudo não pode ser um privilégio, ele é a chave para que essa criança tenha direito a existir, ser respeitada e ter o suporte necessário para se desenvolver”, afirmou Lia Nogueira durante discurso na Assembleia Legislativa.
A mobilização dos parlamentares é vista com esperança por muitas famílias. Mas, enquanto os trâmites não avançam, mães e pais seguem enfrentando dias de incerteza, lutando para que seus filhos não sejam esquecidos por um sistema que, até agora, insiste em ignorar os mais vulneráveis.
Foto: Assessoria Dep. Lia Nogueira
Classificados à semi, mesatenistas garantem no mínimo bronze
Por Juliano Justo - Repórter da EBC - São Paulo
A delegação brasileira estreou no Parapan de Jovens...